LARA LUDIMILA ALENCAR ANTUNES[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo vislumbra refletir acerca dos direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), analisando a implementação do dispositivo nas aldeias indígenas. Observa-se uma grande necessidade de preservar os direitos das crianças e dos adolescentes indígenas, levando-se em consideração suas tradições e costumes próprios. Diante desse fator, o artigo analisa a evolução das legislações que foram surgindo com o intuito de preservar os direitos das crianças e dos adolescentes de forma mais específica, observando as dificuldades enfrentadas pelas comunidades indígenas em implementar os dispositivos legais sem deixar de lado sua cultura. Com esses aspectos, a pesquisa busca explicitar a importância de observar-se a temática no contexto social atual, especificando a atuação do Estado face a implementação do ECA em meio a esses povos, bem como formas de transpassar essa pluralidade jurídica em meio a sociedade. Assim, a pesquisa tem como foco contribuir com exposição dos desafios enfrentados pelos povos de comunidades indígenas em fazer com que suas tradições que perduram por séculos, sejam mantidas e respeitadas e andem em conjunto com os direitos garantidos as crianças e adolescentes através da implementação do ECA, evidenciando as responsabilidades estatais face a essa questão. Em vista disso, houve a realização de pesquisas e revisões bibliográficas e legislativas, com a utilização do método dedutivo.
PALAVRAS-CHAVE: Estatuto da Criança e do Adolescente. Comunidades indígenas. Pluralidade jurídica. Responsabilidade estatal.
ABSTRACT: This article aims to reflect on the rights provided for in the Child and Adolescent Statute (ECA), analyzing the implementation of the device in indigenous villages. There is a great need to preserve the rights of indigenous children and adolescents, taking into account their own traditions and customs. Given this factor, the article analyzes the evolution of legislation that emerged with the aim of preserving the rights of children and adolescents in a more specific way, observing the difficulties faced by indigenous communities in implementing legal provisions without leaving aside their culture. With these aspects, the research seeks to explain the importance of observing the issue in the current social context, specifying the State's actions in the face of the implementation of the ECA among these people, as well as ways to overcome this legal plurality within society. Thus, the research focuses on contributing to the exposure of the challenges faced by people from indigenous communities in ensuring that their traditions, which have lasted for centuries, are maintained and respected and go hand in hand with the rights guaranteed to children and adolescents through the implementation of the ECA, highlighting the state’s responsibilities regarding this issue. In view of this, bibliographical and legislative research and reviews were carried out, using the deductive method.
KEYWORDS: Statute of Children and Adolescents. Indigenous communities. Legal plurality. State responsibility.
1 INTRODUÇÃO
O Estado responsabiliza-se, atualmente, por determinar maior dignidade possível no convívio em sociedade, sendo um dos principais responsáveis por proporcionar o acesso a direitos e mostrar as mais diversas culturas existentes entre os povos. Partindo desse viés, no entanto, devido a sua acumulação de funções, explicita-se uma decadência no tocante em fazer valer esses direitos e, acima de tudo, conseguir manter as diversidades culturais.
Nessa perspectiva, este artigo tem como temática demonstrar a aplicação de legislações que vislumbram proteger as crianças e adolescentes nos mais derivados ramos da sociedade, enfatizando a aplicação desse resguardo em meio aos grupos indígenas, visto que esse grupo possui costumes e vivências próprias, o que acaba dificultando a aplicação dos dispositivos, principalmente do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Diante disso, busca-se explicitar o responsável e as maneiras de conseguir-se manter os costumes originários indígenas sem deixar de lado a proteção das crianças e dos adolescentes pertencentes à essas tribos.
Assim, o objetivo geral da pesquisa é analisar a evolução alcançada na proteção das crianças e dos adolescentes internacionalmente, enfatizando seu amparo nas aldeias indígenas brasileiras face as observâncias do ECA, buscando explorar a atuação estatal bem como da própria sociedade em resguardar os direitos desses grupos mantendo paralelamente seus costumes e tradições que já alcançam séculos.
Diante disso, o artigo foi fracionado em três tópicos. Num primeiro momento, analisou-se um breve contexto histórico face a proteção das crianças e dos adolescentes, demonstrando momentos essenciais em que houve aplicação de legislações que foram capazes trazer maiores proteções, especificando, ainda, a aplicação do ECA nas tribos indígenas brasileiras com tratamento afim de considerar as particularidades, mas que, acima de tudo, consiga proteger as crianças e os adolescentes que vivem nessas comunidades.
Nesse sentido, buscou-se apresentar as dificuldades em efetivar o ECA nas aldeias indígenas brasileiras e conseguir-se manter a pluralidade jurídica existente nesse contexto, visto que é comum diversidades em relação aos costumes, desde métodos de inserção na educação, até mesmo em questões interligadas a tratamentos de saúdes.
Por fim, e cumprindo com os objetivos propostos na pesquisa, foram apresentadas soluções e estratégias para demonstrar a responsabilidade do próprio Estado em conseguir aplicar o ECA nas aldeias indígenas, enfatizando o choque cultural existente em meio à sociedade.
Em vista disso, realizou-se pesquisas e revisão bibliográfica e legislativa, utilizando-se do método dedutivo, já que o estudo partiu de premissas gerais fundamentadas em bases legais.
2 DISCRIMINAÇÃO DO POVO INDÍGENA E A IMPLEMENTAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Os povos indígenas desde sempre sofreram diversos preconceitos e descriminalizações em virtude da sua cultura e modo de vivência. Analisando-se um contexto histórico brasileiro, o período do Brasil Colonial, que ocorreu entre 1500 e 1822, foi um momento em que o território nacional ficou dominado pelos portugueses, onde os indígenas que já habitavam essa terra acabaram sendo cruelmente massacrados e, ainda, tiveram grande perda de sua cultura, visto que os europeus queriam utilizar das riquezas encontradas em solo, mas solidificando a cultura europeia e todos os costumes aplicados em território português, deixando de lado as tradições do povo indígena.
Diante desse ponto, Novo (2019) aponta que:
O sistema jurídico que vigorou durante todo o período do Brasil-Colônia foi o mesmo que existia em Portugal, ou seja, as Ordenações Reais, compostas pelas Ordenações Afonsinas (1446), Ordenações Manuelinas (1521) e, por último, fruto da união das Ordenações Manuelinas com as leis extravagantes em vigência, as Ordenações Filipinas, que surgiram como resultado do domínio castelhano. Ficaram prontas ainda durante o reinado de Filipe I, em 1595, mas entraram efetivamente em vigor em 1603, no período de governo de Filipe II.
Nesse período em que Portugal era detentor do poder face aos indígenas, estes povos acabavam sendo escravizados e tronavam-se vítimas do mais derivados meios de crueldade como forma de que eles deixassem de lado sua cultura e passassem a seguir os regramentos instaurados pelos europeus.
Diante dessa questão, era muito comum a aplicação de meios de torturas e até de penas de morte, para quem descumprisse o que estava sendo estruturado. Há de ser ressaltar, que esses tipos de punibilidades aplicava-se aos idosos, adultos e até mesmo para crianças e adolescentes.
Acerca dessa perspectiva, Foulcault (1999) mencionou que eram cruéis os meios de aplicação de sanções. Ele aponta que, por exemplo, em casos de pena de morte, os condenados teriam sua cabeça decepada, sendo uma morte igual para todos, onde delitos que possuíssem o mesmo gênero teriam as mesmas punições independentemente de classe ou em vista da condição do acusado. Isso pelo fato de que acreditavam que seria uma morte menos desprezível para a própria família do criminoso. Nessa perspectiva, a morte e os meios de tortura eram reduzidos a acontecimentos visíveis e instantâneos.
Com base nesses fatores mencionados, observa-se que desde muito tempo os povos indígenas eram marginalizados e não possuíam o mínimo de dignidade da pessoa humana, sendo barrados de expandir suas culturas para seus jovens e suas futuras gerações. Nota-se que até mesmo crianças e adolescentes, que deveriam possuir um amparo maior, devido a sua fragilidade, não escapavam dos meios discriminatórios face a sua cultura e forma de viver em sociedade.
Collet; Paladino e Russo (2013) afirmam haver a necessidade de acabar ou ainda reduzir o preconceito em vista dos povos indígenas. Isso exige a busca e o compartilhamento de informações que sejam adequadas e em um contexto atual, para que desperte nos mais derivados grupos de pessoas uma curiosidade em entender a cultura e descobrir cada vez mais sobre suas vivências. Uma maneira de ocorrer esse compartilhamento seria no próprio contexto educacional, onde desde cedo crianças e adolescentes teriam conteúdos passados pelos professores a fim organizar e lidar com o um mundo com diferenças históricas, sociais e nitidamente culturais.
Ante o exposto, analisando um contexto mais recente, observou-se a necessidade de implementar legislações que trouxessem um amparo maior para todas criança e adolescente, sem qualquer distinção, mostrando que, em teoria, os indígenas também estariam abrangidos dentro dessa proteção.
O primeiro resquício em uma sistemática internacional que vislumbrou a proteção focada na criança e do adolescente ocorreu no ano de 1874 com o caso da jovem Mary Ellen. Nessa determinada situação, Mary foi adotada e acabou sendo maltratada em diversos momentos pelos seus pais. Como não havia nenhuma norma específica para melhor abrangência em torno da criança e do adolescente, uma associação que tratava de proteção em relação aos animais se comoveu e entrou com uma ação com o intuito de protegê-la, afirmando que até os animais possuíam certo resguardo, assim, essa criança merecia um amparo estatal. Após muita discussão sobre o caso, a temática foi levada até a Suprema Corte Americana que decidiu pela condenação devido aos atos praticados contra a jovem.
A partir do momento em que o caso da jovem repercutiu, a temática em torno de proteção das crianças e dos adolescentes acabou ganhando ênfase em grande parte do território mundial, trazendo diversos questionamentos em torno de trazer proteção as crianças e adolescentes, já que eles seriam um grupo mais frágil no meio social.
Com essa situação, conforme passou-se os anos, novos posicionamentos no que tange o assunto da proteção integral da criança e do adolescente foram ganhando formas, onde ocorreu implementação de alguns códigos que, de certa forma foram um avanço, mas, que, ainda, tratavam eles apenas como meros objetos de direito.
Nessa perspectiva, no Brasil, foi somente após o marco da promulgação da Constituição Federal de 1988, que as crianças e os adolescentes passaram a ter uma proteção integral, tornando-se, desse modo, sujeitos de direito.
Nesse viés, derivados artigos da CF/88, passaram a tratar de direitos específicos voltados a esse grupo. O artigo 24, inciso XV, por exemplo, estipulou que é competência concorrente entre a União, os Estados e os Municípios legislar em torno dos direitos das crianças e dos adolescentes.
Outro ponto de extrema relevância é o que dispõe o artigo 277 do mesmo dispositivo, que expressa não ser um dever somente da família assegurar à criança e ao adolescente absoluta prioridade em relação aos mais diversos direitos, sendo também papel da sociedade e do próprio Estado resguardar essa proteção.
Em vista disso, com esse novo posicionamento na sociedade face ao tratamento das crianças e dos adolescentes, ocorreu a implementação de uma legislação específica visando proteger de forma mais concisa esse grupo. A partir disso, surge a Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 denominada como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que já em seu artigo 1º expressa que Lei irá dispor sobre a proteção integral da criança e do adolescente.
O dispositivo mencionado, até a atualidade, possui uma grande relevância por abraçar os jovens e conseguir colocá-los como sujeitos de direito que possuem necessidades de cuidados especiais, isso devido a sua fragilidade no tocante a conseguir exprimir suas vontades e ter voz em meio aos indivíduos.
Sobre o surgimento e aplicação do ECA em meio à sociedade, Fávero; Pini e Silva (2020) expressam que a legislação veio com intuito de proclamar os direitos fundamentais da criança e do adolescente, trazendo como definição as diretrizes a serem abordadas através de ações políticas. Promoveu, ainda, a criação de Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares como mecanismos de controle para proporcionar melhor aplicação dos direitos declarados, propiciando normas de responsabilização dos infratores que cometerem algum ato face a proteção da infância e da adolescência, colocando penas de cunho criminal e administrativo a eles.
Todavia, mesmo com esse grande avanço que ocorreu com a implementação do ECA, há de destacar-se que determinados grupos ainda possuem desafios no que tange proteção das crianças e dos adolescentes em conjunto com suas culturas e perspectivas de vida, como é o caso dos povos indígenas, que não são abrangidos de forma suficiente em relação ao tratamento de suas crianças e adolescentes.
O processo de implementação do ECA nas aldeias indígenas brasileiras é complexo, que envolve diversas dimensões jurídicas, socioculturais e políticas. É essencial reconhecer e respeitar a diversidade cultural das comunidades indígenas, promovendo o diálogo intercultural entre e o direito estatal e o direito consuetudinário.
Com base nesse fator, Fonseca (2009) relata que a interculturalidade reconhece a importância do diálogo entre diferentes culturas na promoção dos direitos humanos. No contexto das aldeias indígenas brasileiras, a aplicação do ECA deve levar em consideração as particularidades culturais dessas comunidades, buscando uma abordagem sensível às suas tradições e formas de organização social, onde não envolve apenas a adaptação das leis e políticas, mas também o estabelecimento de parcerias genuínas e colaborativas com as próprias comunidades indígenas. Isso implica em ouvir os líderes e membros da comunidade, e envolvê-los no processo de tomada de decisão relacionado à implementação do Estatuto.
A própria Constituição Federal preocupou-se em resguardar ao povo indígena a sua cultura e seus hábitos. Barbieri (2021), aponta que a Constituição de 1988 conseguiu propiciar aos indígenas direito a sua autodeterminação e alteridade, já que estabeleceu respeito a sua cultura e seus hábitos próprios, considerando que eles são únicos. Com isso, conseguiu-se firmar de forma mais concisa a diferença entre a sociedade nacional, tornando possível com que o povo indígena não precisa mais deixar de lado seus pontos culturais e tentar se assimilar a outra cultura diversa da sua. Esse quesito, mostrou que o Estado e a própria sociedade devem possuir aceitação de cada etnia, entendo as diferenças culturais.
As crianças e adolescentes indígenas, apesar de estarem acolhidas pelo ECA, demonstram que devido a sua criação e tradição de séculos, entre eles há a possibilitam de se cuidarem e se protegerem por si só, independente de alguma intervenção estatal.
Nesse sentido, deve-se reconhecer que os povos indígenas possuem métodos próprios no que tange a forma de aprendizado, formas de transpassar os costumes e até mesmo os mecanismo de defesas de suas crianças e adolescentes e de todos os membros participantes. Isso se dá devido as práticas culturais que foram passando e se fixando em meio as comunidades com o avanço das gerações.
Nas palavras de Barbieri (2021), o direito a pertencer a um povo de origem indígena traz juntamente o direito à alteridade e à diferença, visto que passou-se a ter diversas mobilizações em torno de movimento indígenas, assim como de entidades que vislumbram apoio a esse povo. Com isso, nota-se de forma mais concisa o direito a ser diferente, já que o fato de pertencer a um grupo com tradições opostas não implica em menos direitos ou então menos privilégios. Assim, defende-se a organização social desse povo, assim como as crenças, religiões e costumes.
Nessa perspectiva, crianças e adolescentes que nascem e vivem em tribos indígenas, desde cedo possuem seu papel em meio a sua comunidade, visto que as aldeias geralmente funcionam a partir de uma coletividade, onde todos desempenham alguma função a fim de um melhor convívio. Assim, analisa-se que o ECA possui o dever de proteção da criança e dos adolescentes em meio à sociedade, todavia, tratando-se dos nascidos no meio indígena, deve-se tomar cuidado para que esse amparo não atinja de forma negativa as culturas próprias que eles adquiriram devido a sua origem.
3 DESAFIOS FACE A IMPLEMENTAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NAS ALDEIAS INDÍGENAS
Com a implementação do ECA, assim como já mencionado, constata-se que a criança e o adolescente conseguiram alcançar o status de reconhecimento como sujeitos de direitos que possuem proteção integral pela lei. Nesse contexto, todavia, observa-se uma problemática no tocante as crianças e adolescentes que fazem parte de tribos indígenas, isso pelo fato de ocorrer dificuldade em relação á efetivar o ECA, levando-se em consideração, também, as realidades culturais, sociais e até mesmo econômicas.
Nessa perspectiva, o povo indígena desde sempre possui sua própria organização social em suas comunidades. Há incentivos desde o momento do nascimento que as crianças ali nascidas acompanhem a tarefas diárias da vida em comunidade para que futuramente possam assumir algum tipo de papel e se tornarem parte essencial do grupo. Esse é um fator que gera discussão em meio à sociedade, onde questionasse até que ponto a tal liberdade de se pertencer a um povo interfere nas relações socioculturais.
Diante dessa questão, Santos (2002) exprime que existem nas aldeias indígenas brasileiras uma pluralidade jurídica, que fundamenta-se na compreensão de que diferentes grupos dentro de uma mesma sociedade podem vir a operar com sistemas normativos distintos, que, ainda, podem ou não vir a coexistirem e interagirem entre si.
Com isso, analisa-se a relevância de discussão em torno dessa pluralidade jurídica, pois essas comunidades muitas vezes possuem seus próprios sistemas jurídicos tradicionais, baseados em costumes, tradições ancestrais e formas de organização social próprias. Ao implementar princípios e ideias propostas no ECA no âmbito das aldeias, ressalta-se a importância de reconhecer e respeitar essa pluralidade.
Face o exposto, implica-se em não apenas considerar as leis e políticas do Estado brasileiro, ou seja, aquilo que está positivado dentro do ordenamento jurídico brasileiro, mas também deve-se levar em consideração os sistemas normativos e os valores culturais dessas comunidades, já que eles são essenciais para a preservação cultural indígena que está presente em território nacional brasileiro há mais de séculos.
Ademais, o Estado desempenha um papel fundamental na prestação e aplicação de serviços públicos voltados para crianças e adolescentes. Esses serviços podem variar desde educação e saúde até a proteção e assistência social.
Ao tratar-se da educação, vislumbra-se um exemplo dessa sistemática. Em muitas aldeias há a existência de uma educação própria, com idade e linguagem diferente do que ocorre fora das tribos. É notório que a educação é um ato social que obrigatoriamente deve ser prestado pelos órgãos públicos, já que no Brasil a inserção de jovens nas escolas é algo fundamental. Entretanto, deve-se levar em consideração as culturas próprias, pois o povo indígena acredita que a educação é algo que é de responsabilidade de seus próprios integrantes e da família da criança.
A própria Constituição Federal resguarda essa possibilidade. O artigo 210, §2º do dispositivo explicita que deve-se assegurar na formação básica, atos que venha a respeitar os valores culturais, artísticos, nacionais e regionais, cabendo fixar-se conteúdos mínimos em relação ao ensino fundamental, onde fica totalmente assegurado às comunidades indígenas a utilização de línguas próprias, ou seja, de cunho materno, em seus processos internos de aprendizagem.
No mesmo sentido, face a essa ideia no contexto educacional, o Decreto nº6.861, de 27 de maio de 2009, que trata sobre a educação escolar indígena expõe em seus artigos 1º e 2º, esse resguardo constitucional que possui o intuito de preservação de métodos próprios de ensino básico:
Art. 1º A educação escolar indígena será organizada com a participação dos povos indígenas, observada a sua territorialidade e respeitando suas necessidades e especificidades.
Art. 2º São objetivos da educação escolar indígena:
I – valorização das culturas dos povos indígenas e a afirmação e manutenção de sua diversidade étnica;
II – fortalecimento das práticas socioculturais e da língua materna de cada comunidade indígena;
III – formulação e manutenção de programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação escolar nas comunidades indígenas;
IV – desenvolvimento de currículos e programas específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes ás respectivas comunidades;
V – elaboração e publicação sistemática de material didático específico e diferenciado; e
VI – afirmação das identidades étnicas e consideração dos projetos societários definidos de forma autônoma por cada povo indígena.
Com o posicionamento proposto no mencionado decreto, vislumbra-se, ainda, que as escolas indígenas devem ser entendidas como algo que possui natureza própria, com atos, diretrizes e formas de expressar o conhecimento com características excepcionais devido aos seus costumes, conforme determina o art. 3º da legislação.
Art. 3º – Será reconhecida às escolas indígenas a condição de escolas com normas próprias e diretrizes curriculares específicas, voltadas ao ensino intercultural e bilíngue e multilíngue, gozando de prerrogativas especiais para a organização das atividades escolares, respeitando o fluxo das atividades econômicas, socais, culturais e religiosas e as especificidades de cada comunidade, independentemente do ano civil.
Ante o exposto, constata-se que, em geral, os sistemas tradicionais das comunidades indígenas possuem mecanismos eficazes de resolução de conflitos e proteção dos direitos das crianças e adolescentes, como é o exemplo da educação, já que seus hábitos culturais podem complementar e enriquecer a aplicação em conjunto com o que está disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.
De forma geral, observa-se então que as crianças e adolescentes indígenas acabam vivendo em disparidade face aos seus direitos, sendo eles violados constantemente devido a sua situação de se ter uma cultura específica, mostrando sua maior vulnerabilidade em manter seus valores de forma intercultural.
Com base nesses fatores, compreende-se, então, que é de fundamental relevância considerar os obstáculos reais que podem comprometer sua eficácia da aplicação do ECA. Um exemplo que pode-se mencionar em relação a isso são os obstáculos constantes face a falta de recursos e infraestrutura adequados em meio as aldeias. Essa questão que pode levar a certas limitações quanto a atuação do Estado conseguir estruturar e, ainda, fornecer serviços essenciais em meio as populações indígenas.
A falta de infraestrutura mencionada, pode vir a interferir até em serviços considerados de extrema necessidade, como é o caso da saúde, segurança e, como mencionado à educação nos anos iniciais. Isso propicia a dificuldade na aplicação do ECA em meio a esse grupo, limitando-se à proteção e o respeito que deve-se estruturar-se em relação à criança e ao adolescente.
Em vista desse ponto, Sen (2011) destaca ser relevante, nesse contexto, a análise não só da existência formal dos direitos humanos em relação aos indígenas, mas também questões que influenciam a sua aplicação na prática em situações específicas, proporcionado, desse modo, uma abordagem classificada como crucial na implementação do Estatuto nas aldeias indígenas brasileiras. Com isso, observa-se que deve-se levar em consideração não somente a legislação em si, mas também analisar os desafios reais que vem a se enfrentar em aplicações práticas.
Nesse viés, os mais diversos órgão e instituições que tornam-se responsáveis para aplicação do ECA em meio a sociedade acabam enfrentando diariamente desafios em sua implementação. Isso ocorre principalmente pela aplicação não categórica e eficaz do sistema jurídico, além da falta de informações constantes dos órgãos públicos que acabam não sendo preparados para conseguir enfrentar e solucionar questões específicas presentes dentro das relações das comunidades indígenas.
Barbieri (2021) argumenta que o Estado é o garantidor de direitos, respeitando, desse modo, os indivíduos em geral como sujeito que tem seus direitos tutelados. Nesse sentido, ele torna-se responsável em efetivar os direitos da pessoa humana, abrangendo as populações indígenas, que são violadas e desrespeitadas e, ainda, trazendo grandes dificuldades no que tange a tipificação e punição dos responsáveis por tais discriminações.
A partir das vertentes expostas, devido à disparidade de tratamento atingida face a criança e o adolescente indígena, começou-se a pensar em mecanismo que pudessem vir a garantir uma maior proteção dos direitos desse grupo, que proporcionasse uma convivência harmônica com o restante da população.
Nesse sentido, além da efetivação do Eca, que foi algo de relevante avanço dentro do ordenamento jurídico, no ano de 1991 teve-se a implementação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), denominado como um órgão com um caráter deliberativo, com uma composição paritária, que visa alguma ações principais tais como combate à violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes, prevenção e erradicação do trabalho infantil e, um aspecto de suma importância, que é a promoção e defesa de direitos de crianças e adolescente indígenas, quilombolas, dentre outras outros grupos que necessitam de tal auxílio.
A partir disso, com seu trabalho em meio a sociedade, o citado órgão através da resolução de número 91, de 23 de junho de 2003 procurou que se estruturasse e aplicasse à criança e ao adolescente pertencente de tribos indígenas os atos dispostos no ECA, explicitando ser necessário a efetivação de peculiaridade culturais das devidas comunidades, propiciando, de forma mais concisa, a garantia de respeito no que tange as características particulares dos povos indígenas devido aos costumes e crenças.
Com esses fatores, vislumbra-se os diários desafios em implementar o Estatuto da Criança e do Adolescente em meio aos povos indígenas, explicitando-se as dificuldades em conciliar a legislação com os costumes e modos de vivências desses povos, principalmente no que tange as crianças e adolescentes de origem indígena, que são considerados mais vulneráveis e, devido a essa diferença de costumes, acabam sendo prejudicados em se devolverem e viverem em uma sociedade que os acolham mesmo diante de suas origens que eles adquiriram com o os seus povos.
4 COMPORTAMENTO ESTATAL E SOCIAL FRENTE AOS DESAFIOS ENFRENTADOS PARA PROTEÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES PERTENCENTES À COMUNIDADES INDÍGENAS
Diante dos fatores verificados, vislumbra-se que o Estado é um dos garantidores de direitos em meio aos cidadãos, abrangendo, também, os povos indígenas, principalmente quando trata-se da proteção das crianças e adolescentes das aldeias, já que eles são alvos fáceis de discriminações e merecem ser acolhidos para que possam viver e vir a crescer sendo amparados pelos entes públicos e mantendo seus costumes, tradições e principalmente assegurando suas origens. Isso mostra, então, que Administração Pública deve possuir mecanismo para satisfazer aspectos básicos dos indivíduos, que consiga também abranger as mais diferentes comunidades.
A Administração Pública se caracteriza por uma gama de atividades exercidas com a finalidade de satisfazer as necessidades da sociedade sob sua tutela. Apesar da grande complexidade dessas atividades administrativas, ressalta-se o fato de que elas são complementares entre si e estão sujeitas a constantes orientações e coordenação. As incessantes e dramáticas mudanças pelas quais sofre o convívio social requerem novas formas de atuação do Poder Público (Horvath, 2011, p.6).
Com isso, é comum verificar a inserção de organizações por parte do Estado e até mesmo por membros da sociedade civil que buscam promover conscientização e demonstrar métodos de garantir os direitos positivados, principalmente quando trata-se de preservar o princípio da dignidade da pessoa humana.
Nessa perspectiva, Barbieri (2021) determina que esse princípio é fundamental por propiciar ao indivíduo a inserção dentro de um Estado Democrático de Direito, que visa assegurar os direitos individuais e sociais dos cidadãos, tais como a liberdade, a segurança, a igualdade entre todos, firmando o não preconceito entre as diferenças existentes entre os povos, trazendo, assim, uma maior segurança jurídica em meio à sociedade.
No mesmo sentido, Machado (2015) expõe que o Estado, possui o dever de manter o papel cultural dentro das perspectivas expostas pelo ECA, explicitando os derivados pontos de vista que existem em um convívio social. Isso porque crianças e adolescentes que são de aldeias indígenas são mais excluídos, por motivos de ideais que se estruturaram na sociedade e propiciam um aumento da desigualdade, como se pessoas que possuem costumes diferentes devessem ocupar lugares distintos.
À vista disso, analisando-se toda a complexidade existente em manter uma sociedade igualitária e que possa entender as mais derivadas vertentes existentes em povos, valores e culturas, contata-se que há a necessidade de uma aproximação do povo indígena com os órgãos públicos, pois isso facilitaria a aplicação mais concisa do ECA nessas comunidades, pois, assim, se estabeleceria uma estrutura com aspectos mais concisos para haver um trabalho conjunto, onde ambos os lados se beneficiariam.
Por conseguinte, o Estado poderia aplicar a proteção as crianças e adolescente indígenas recebendo posicionamentos de pessoas da própria tribo que os representariam nas mais diversas questões, desde assuntos mais abrangente, como saúde e educação, até assuntos mais concentrados nas comunidades como é o caso de rituais específicos de cada povo que passou-se de gerações para gerações.
É nesse contexto, que os indígenas começaram a criar grupos que fossem capazes de mobilizar a sociedade vindo a defender os interesses de toda comunidade indígena, e que, ainda possuíssem pessoas capazes de proporcionar representatividade.
A partir disso, consegue analisar exemplos em que ocorreu a criação de mecanismos capazes de promover essa inserção. Com isso, surge associações, como é o caso da Articulação dos Povos Indígenas (APIB). Esse tipo de associação está interligado a movimentos que possuam como intuito inserir membros das comunidades indígenas em meio aos outros cidadãos como forma de promover e expandir suas culturas e conseguir gerir seus direitos. Esse tipo de associação proporciona avanços nos aspectos políticos no que visa a representatividade.
Outro exemplo para observar a inserção de membros das comunidades indígenas acerca dos assuntos mais importantes, é a criação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI), sendo um conjunto de diretrizes implementadas através do Ministério da Saúde que possui foco em atingir de forma concisa a saúde desses povos, principalmente de seus membros mais frágeis, ou seja, a criança e ao adolescente. O PNASPI, é coordenado e segue o que está de acordo com a própria secretaria especializada nos cuidados à saúde dos indígenas, denominada Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI).
Sobre isso Barbieri (2021) explica que em toda américa latina há a evasão de indígenas de seus habitats naturais, já que é diária a luta por espaço em meio aos outros indivíduos. Isso explicitou a necessidade de intervenção de grupos e associações como forma de representar a falta de aplicação dos direitos políticos, sociais, além da escassez concisa de cumprimento das políticas púbicas
Em vista disso, essa implementação de representantes que conseguissem expressar suas verdadeiras vivências, perspectivas e costumes permite a aplicação de melhores políticas públicas, sendo algo benéfico no tocante à proteção desses jovens indígenas, podendo vir a diminuir cada vez mais a discrepância de amparo estatal e social.
De acordo com o exposto, Garnelo, Sampaio e Pontes (2019), expressam que para haver a construção de um ser humano, deve-se levar em consideração o interior de cada grupo social de forma específica, não sendo possível fazer algo de forma generalizada entre os grupos indígenas, por exemplo, visto que apesar de serem considerados povos de comunidades indígenas, cada um possui uma tradição específica, o que acaba diferenciando-os.
Ainda, observa-se a responsabilidade da Administração Pública em proporcionar pilares para que consiga-se atingir da forma mais eficaz possível a implementação dos determinados representantes das aldeias nos assuntos que atingem diretamente essas comunidades indígenas, estruturando-se, ainda, uma base sólida referente a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente internamente. Assim, atingira-se resultados positivos j[a que haveria representatividade do povo indígena como forma de respeitar as suas culturas, crenças, rituais e costumes.
5 CONCLUSÃO
O presente artigo buscou explicitar os aspectos mais relevantes no que tange a implementação do ECA nas aldeias indígenas como forma de também proteger as crianças e adolescentes pertencentes a essas comunidades, vislumbrando, ainda, falhas estatais face a preservação cultural desses povos.
Analisou-se que o Estado possui responsabilidades em proporcionar, nos mais diversos ramos, atos que possibilitem a sociedade uma vida adequada com o mínimo de dignidade, preservando sempre as diferentes realidades culturais e modos de vivências que podem ocorrer dentro de um convívio social. Isso possibilitaria que não houvesse diferenciação entre os cidadãos e que os meios de resguardo de direitos fossem aplicados de forma igualitária em todos os grupos.
Com a pesquisa, verificou-se que apesar de ser função do Estado garantir essa igualdade, ele não é capaz de mantê-la devido à dificuldade de implementar dispositivos em meio a tradições dos povos indígenas. Diante disso, observou-se os aspectos em torno da implementação do ECA em meio as comunidades indígenas para também garantir direitos as crianças e adolescentes pertencentes as essas tribos.
Nesse sentido, evidenciou-se a necessidade de demonstração em meio a sociedade da importância de manter as tradições indígenas, bem como aplicar o ECA como forma de um dispositivo garantidor de direitos mínimos.
Com isso, buscou-se analisar os principais desafios em manter a pluralidade jurídica existente entre as comunidades indígenas em relação ao resto da sociedade e, principalmente, em relação ao amparo estatal em preservar as crianças e adolescentes em relação as temáticas previstas no ECA.
Ante o exposto, constata-se que o Estado é o principal responsável em proporcionar a pluralidade cultural e conseguir implementar o ECA face as aldeias indígenas como forma de alcançar proteção das crianças e adolescentes desses povos, promovendo ações que sejam capazes de mostrar um paralelo entre essas questões, inserindo representantes desses povos no tratamento dos assuntos voltados a promoção de direitos e respeito aos costumes desses grupos de forma mais específica.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora Orientadora. Mestra em Direito pela Universidade de Lisboa. Professora universitária. E-mail: [email protected].
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Jales – UNIJALES
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VICENTE, Denise Bueno. A implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente nas aldeias indígenas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 out 2024, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /66677/a-implementao-do-estatuto-da-criana-e-do-adolescente-nas-aldeias-indgenas. Acesso em: 28 dez 2024.
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